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Feminicídio | Entenda a lei e sua importância

Em 2015 entrou em vigência no Brasil a chamada Lei do Feminicídio, nº 13.104. Essa lei tem o objetivo de prever o feminicídio enquanto uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, além de incluir o delito no rol dos crimes hediondos, previstos pela Lei nº 8072/1990.

Crimes hediondos são aqueles que o Brasil considera de extrema gravidade. Por isso, a inclusão nesse rol é de grande importância para o direito das mulheres.

Para entender o que é considerado feminicídio, quais são seus tipos, bem como em quais situações a lei se aplica, veja o artigo abaixo para esclarecimento de suas dúvidas.

O que é Feminicídio?

O feminicídio é o nome do fenômeno que se dá para o assassinato de mulheres motivados pelo seu gênero. Significa dizer que é o assassinato de mulheres apenas por serem do sexo feminino, sem nenhuma outra circunstância relevante.

Foi preciso nomear especificamente esse tipo de assassinato para que então seja visibilizado o problema estrutural que temos no Brasil e no mundo causado pelo machismo e misoginia.

O feminicídio é um crime de ódio, tal qual o crime de racismo, por exemplo. Trata-se de uma violência direcionada para uma minoria social, no caso, pessoas do gênero feminino.

Esse crime é considerado uma qualificadora do crime de homicídio, pela Lei nº 13.104/2015. Ou seja, o delito do homicídio previsto no artigo 121 do Código Penal possui uma pena mínima, em abstrato, de seis anos de reclusão. No entanto, caso seja uma situação de morte causada em decorrência do gênero feminino da vítima, incide a qualificadora do feminicídio, conforme §2º, inciso VI, aumentando a pena mínima, em abstrato, para doze anos de reclusão.

Feminicídio no mundo

De início, é importante destacar que o Brasil é o 5º país no índice de morte violenta de mulheres no ranking mundial, considerando a taxa de 4,8 em cada 100 mil habitantes. Daí é que se percebe a importância de uma lei específica para a proteção de mulheres e punição daqueles que as matam e violentam de variadas formas. Outro ponto importante para se notar e refletir é: a lei brasileira que caracteriza o feminicídio é de 2015, ou seja, sua vigência tem apenas 7 anos.

Se tem conhecimento de que a palavra “feminicídio” surgiu em meados de 1970, difundida e cunhada pela socióloga sul-africana Diana E.H. Russell. Seu conceito teórico era baseado no fato de que a palavra “homicídio” era neutra, o que colaborava para que o assassinato específico de mulheres ficasse em um lugar de invisibilidade.

Infelizmente, as mortes violentas de mulheres são presentes em escala global, principalmente sobre aquelas em situação de vulnerabilidade social, já que são as mais afetadas.. Vivemos num mundo que discrimina mulheres de forma estrutural. No ranking mundial realizado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) de violência de gênero, o Brasil perde apenas para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Comparativamente, o Brasil mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, por exemplo.

Na América Latina há 18 países que adotam legislação específica para criminalizar o feminicídio, segundo a Organização das Nações Unidas. Tem-se o registro de que o primeiro instrumento jurídico consagrado de fato sobre violência contra mulheres é a Convenção Interamericana de Belém do Pará, assinada em 1994.

Diante disso, vê-se a necessidade e urgência de promover e garantir os direitos humanos das mulheres e meninas de todo o mundo.

Feminicídio no Brasil

No Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, houve o registro de 3.913 mulheres assassinadas. Segundo o mesmo relatório, apenas 34,5% dessas mortes foram consideradas feminicídio. De todas elas, 81,5% foram mortas por seus “companheiros” e “ex-companheiros”.

Os estados brasileiros que possuem as maiores taxas de feminicídio são Tocantins, Acre, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Piauí.

Diante desses números, devemos nos questionar sobre os motivos de um país como o Brasil ocupar o 5º lugar em um índice tão triste e bárbaro. É necessário nomear a violência, além de conscientizar a população sobre esse fenômeno.

O machismo estrutural pode ser combatido em todas as áreas de nossa sociedade, como no trabalho e na escola. Deve-se atuar de forma preventiva, uma vez que o feminicídio é apenas o que chamam popularmente de “ponta do iceberg”. Infelizmente, esse tipo de crime chama muita atenção da sociedade apenas quando temos vítimas já sem vida. Deve-se trabalhar para que as pessoas do gênero feminino sejam cada vez mais conscientes do que são as violências causadas pelo machismo para que então se libertem e rompam com o ciclo de serem vítimas de machistas, sejam eles seus “companheiros” ou não.

É a partir da tomada de consciência coletiva que o Judiciário e as polícias poderão atuar com mais afinco no combate ao feminicídio e violência doméstica como um todo com o objetivo de responsabilizar de forma séria os algozes.

Lei 13.104/15 – A Lei do Feminicídio

O Código Penal brasileiro foi alterado por diversas vezes, na medida em que a sociedade foi se remodelando e evoluindo historicamente. Uma dessas alterações foi a implementação da Lei 13.104 de 2015, ao prever o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, além de incluí-lo no rol de crimes hediondos.

A lei prevê que caracteriza-se o feminicídio quando ocorre o assassinato cometido contra uma mulher como resultado de violência doméstica e familiar ou por fruto de mero menosprezo ou discriminação em razão do gênero feminino.

Dessa forma, essas duas circunstâncias demonstram que não se trata de qualquer assassinato. Por exemplo, não se aplica a lei em casos de mulheres mortas por homicídio culposo, ou seja, quando não há intenção de matar. Fica evidente que a vítima não foi morta por sua condição de mulher, mas tão somente por consequência de determinado ato negligente.

São consideradas causas de aumento de pena quando o feminicídio for (i) praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; (ii) contra pessoa menor de quatorze anos, maior de sessenta, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; e (iii) na presença física ou virtual de descendente (filhos) ou de ascendente (pais) da vítima).

Objetivo e importância da Lei do Feminicídio

Há quem pense que não é necessário haver distinção entre os termos homicídio e feminicídio, já que o crime de matar alguém, previsto no artigo 121, é claro no Código Penal. No entanto, como exposto, o Brasil e o mundo se sustentam numa estrutura patriarcal e machista. Não fosse isso um fato, o Brasil não estaria em 5º lugar num ranking de violência contra mulheres. Sendo assim, os índices de violência doméstica também são exorbitantes e por isso é que a definição do crime é quando ele acontece é tão importante.

Dar nome às coisas é um fenômeno sociológico de extrema urgência para que então a sociedade tenha clareza sobre suas questões mais estruturais como o machismo, o racismo, a LGBTfobia etc. Além disso, é preciso delinear com clareza o que é feminicídio para que também seja evidenciado que as vítimas foram mortas apenas pelo seu gênero, algo absolutamente intrínseco ao ser humano, além de considerar-se que todo feminicídio é evitável.

A violência doméstica em geral é um tema sensível e por isso o Poder Judiciário e as polícias têm grande dificuldade em combatê-la. E é justamente por essa sensibilidade do tema e dificuldade de enxergá-lo que também existe a Lei Maria da Penha. Essa lei introduz inovações jurídicas na proteção às mulheres, pois antes de sua promulgação, agressões contra mulheres eram julgadas em juizados especiais criminais, ou seja, pelo juizado de crimes de menor potencial ofensivo.

A partir de 2006, portanto, com a vigência da Lei Maria da Penha, o cenário brasileiro mudou bastante, pois foram trazidas definições do que é a violência de gênero, sendo definidas como qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial às mulheres. É evidente, portanto, o marco histórico no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres.

É nessa mesma lógica, a partir de lutas constantes, que a Lei do Feminicídio surge.

Diante desse cenário, resta claro que o objetivo da lei é tentar dirimir as desigualdades históricas de gênero que existem no Brasil. É baseado no alto índice de violência contra mulheres que surge uma lei que torna mais rigorosa a punição daqueles que cometem crime doloso contra vida de mulheres em razão do gênero.

Além disso, a vigência da lei visa promover maior segurança às mulheres. A lei é uma resposta social ao machismo, de modo que fique claro que o Estado está preocupado em sanar esse problema e reconhece mulheres como seres detentores de direitos humanos.

Quando a Lei de Feminicídio pode ser aplicada?

A lei poderá ser aplicada basicamente em dois casos.

Quando o crime (i) é resultado de violência doméstica e familiar ou ocorre acompanhado dessa circunstância, sendo praticado pelo cônjuge, parceiro, namorado ou familiar da vítima.

Lembre-se que o que é considerado violência doméstica, pela lei brasileira, é o que se estabelece na Lei Maria da Penha, nº 11.340 de 2006: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe causou morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de orientação sexual.

Aqui, cabe também destacar que a Lei Maria da Penha é aplicável para mulheres transexuais, conforme julgamento recente da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

(ii) Quando o crime decorre de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Ocorre pelo resultado da discriminação de gênero, que é quando o criminoso considera mulheres objetos ou seres inferiores aos homens. É baseada nesse menosprezo que a violência doméstica e sexual também ocorrem. Novamente, frisa-se que o feminicídio é a expressão máxima dessa repulsa ao gênero feminino.

Tipos de feminicídio

A Lei do Feminicídio não traz classificações nem descreve os tipos de feminicídio existentes. As categorias dos tipos são frutos de análises de estudiosos sobre o tema, além da interpretação legislativa.

Em geral, considera-se que existem três tipos de feminicídio. São três tipos de mortes de mulheres em razão do gênero feminino. O primeiro deles é o feminicídio doméstico, que ocorre quando o crime acontece no ambiente doméstico, familiar ou é cometido por familiares, geralmente pelo marido ou namorado. Esse é o tipo mais comum no Brasil, o que é diferente em outros países da América Latina.

O segundo tipo é o feminicídio sexual, que ocorre quando a morte da vítima decorre de abuso e violência sexual ou o crime é praticado em conjunto com a prática de estupro e violência sexual. Esse tipo se dá em decorrência da objetificação da mulher.

Por fim, o terceiro tipo é o feminicídio reprodutivo, que ocorre em decorrência da prática irregular do aborto.

Destaca-se que o terceiro tipo não é reconhecido pela legislação, uma vez que o Brasil não promove nenhuma assistência ao aborto. Ao contrário, o Brasil criminaliza a prática. Sendo assim, por evidente desamparo estatal, a morte por aborto clandestino é um fato social.

Penas

Por se tratar de um tipo de agravante do crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, o feminicídio possui penas maiores ao homicídio, que é um crime comum.

Enquanto os homicídios comuns e simples podem gerar penas de seis a vinte anos de reclusão, o feminicídio é punido no Brasil com pena de reclusão mínima de doze anos e pena máxima de trinta anos. Esse tempo de pena é estabelecido conforme a gravidade do delito, além das análises de praxe da dosimetria da pena.

Além disso, por tratar-se de crime doloso contra a vida e integrar o rol de crimes hediondos, o feminicídio é julgado pelo Tribunal do Júri. Ou seja, a decisão final sobre a culpa do réu é inteiramente dos jurados, com exceção de situações em que há absolvição por falta de provas.

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Dra. Fabiana Calcanho

Fabiana Calcanho é advogada pelo Centro Universitário das Américas (FAM), inscrita na OAB/SP sob o número 474.083.

 
Pós-graduanda em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDRP/USP), atua em questões tributárias desde 2014, com sua habilitação como contabilista, inscrita no CRC/SP sob o número 308934-6/O.a peloAdvogada pelo Centro Universitário das Américas (FAM) Centro Universitário das Américas (FAM)
 
Membro efetivo da comissão de Direito Empresarial OAB/SP.
Membro efetivo da comissão de Direito Tributário OAB/SP

Soraia Pinheiro de Souza

Bacharel em Direito pela Universidade Bandeirantes,SP, 2011.

Pós Graduação em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito, 2014.

Pós Graduanda em Direito Digital, Proteção de Dados Pessoais e Cibersegurança pela PUC.

Pós graduanda em direito digital, proteção de dados e ciberseguranca; 

Capacitação em Mediação e Conciliação pelo Centro Mediar.

Leadership Journey pela FIAP, SP, 2022.

III Congresso Internacional de Derecho Procesal. Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos. 2013. Havana/Cuba.

XII World Congress of the International Society for Labour and Social Security Law (ISLSS). 2018. Turim/Itália.

OAB: 328493

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