No Brasil, a legislação penal prevê diversas categorias de prisão. Entre as mais populares no imaginário social, temos a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária.
A prisão preventiva é uma das modalidades mais conhecidas e também uma das mais debatidas atualmente. Isso por se tratar de uma prisão sem que haja, com toda certeza, e ao final de um processo penal, a culpa em definitivo de um indivíduo.
Em 2019, o debate sobre a possibilidade de prisão em segunda instância tomou conta do país. Na época, percebeu-se que muitas pessoas confundiam esse fenômeno com a modalidade de prisão preventiva.
No entanto, a preventiva não deve ser tratada como medida de antecipação de pena, como é a prisão em segunda instância.
Esse tipo de prisão é uma medida excepcional e que cumpre regras objetivas, conforme o Código de Processo Penal brasileiro. A medida pode ser invocada antes da condenação de um réu, mas não se trata, em nenhuma hipótese, de cumprimento de uma pena.
Para que não haja mais confusão, esclareça todas suas dúvidas sobre o assunto.
O que é prisão preventiva?
A prisão preventiva é um instrumento processual de natureza cautelar. Está prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal. Sua cautelaridade se configura pelo fato de ser uma medida excepcional, uma vez que determina a prisão de um indivíduo antes mesmo do trânsito em julgado de uma decisão condenatória.
Sua excepcionalidade se dá, conforme o artigo 282, §6º, do Código de Processo Penal, pois tal determinação somente ocorrerá quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o artigo 319 do mesmo Código.
A sua decretação pode ocorrer em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, desde que presentes seus requisitos. O juiz poderá decretá-la de ofício ou a pedido do Ministério Público, do querelante, do assistente de acusação ou, ainda, por representação da autoridade policial.
O juiz decretar algo “de ofício” significa que ele determinará a medida sem que haja pedido de qualquer das partes. Essa modalidade de prisão, portanto, não necessariamente depende da requisição do Ministério Público ou dos outros atores do processo.
Os requisitos da prisão preventiva são previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. São eles: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para que seja assegurada a aplicação da lei penal.
Também é necessária a existência de “fumus commissi delicti” e “periculum libertatis”. Em outras palavras, é imprescindível que a liberdade do acusado cause perigo social, além de ser fundamental que haja prova da existência do crime e indício suficiente da autoria dos fatos.
É possível pagar fiança em prisão preventiva?
Sim, é possível que haja o pagamento de fiança em casos de prisão preventiva. A legislação penal brasileira determina que há crimes que são afiançáveis e crimes inafiançáveis. Neste último, não há possibilidade de pagamento de fiança ou de liberdade provisória. Por isso, deve o acusado permanecer preso preventivamente até o seu julgamento.
No Brasil, há um rol determinado de crimes considerados inafiançáveis. São eles: racismo, prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, ação de crimes armados e os crimes considerados hediondos, como disposto na Lei 8.072/90.
Existe recurso para prisão preventiva?
Contra decisão judicial que decreta a prisão preventiva ou que a mantém, não há recurso exclusivo previsto na legislação penal brasileira. Porém, a saída para que se possa evitá-la é a impetração de habeas corpus. O instrumento é previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXVIII) e visa a garantia de direitos fundamentais, inclusive o direito de liberdade individual.
No habeas corpus é possível que o advogado argumente pela defesa do direito do indivíduo em recorrer em liberdade, ou quando cabível, pela falta de preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, como por exemplo, a inexistência de perigo social gerado pelo acusado ou inexistência de indícios suficientes de sua autoria.
De outro lado, contra decisão que indefere o requerimento da prisão preventiva ou que a revogue, cabe o recurso em sentido estrito, conforme previsão do artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal.
Como funciona a prisão preventiva?
Como exposto, a prisão preventiva será decretada na medida em que os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal estejam presentes. Isso significa que a prisão ocorrerá para que o acusado não viole nenhuma das situações expostas no referido artigo.
Significa dizer, portanto, que a medida servirá para: (i) a garantia da ordem pública e da ordem econômica, pois impede que o acusado, ao permanecer em liberdade, pratique novos crimes que coloquem a sociedade em risco; (ii) a conveniência da instrução processual penal, uma vez que evita que o acusado prejudique o andamento do processo ou da investigação, como por exemplo, ameaçar testemunhas ou destruir evidências que possam comprovar a autoria; (iii) assegurar a aplicação da lei penal, pois garante que o acusado não se esquive de responder na investigação em questão, por exemplo, impedindo uma fuga.
Imagine-se o seguinte cenário: uma testemunha de acusação, ao prestar declarações sobre o fato em investigação, na delegacia, informe o delegado de polícia que o acusado foi até sua casa no dia anterior e o ameaçou que caso ela conte a verdade à polícia, ela morrerá. Por se tratar de clara violação do artigo 312, pode o delegado, enquanto autoridade competente, requerer a prisão preventiva do acusado.
Assim que o juiz do caso tomar conhecimento da ameaça narrada, por meio do requerimento do delegado, poderá decretar a prisão preventiva do acusado sob a justificativa da conveniência da instrução processual.
A decisão do juiz que decretar, substituir ou denegar a prisão, portanto, deverá conter motivação e fundamentação, como prevê o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, de modo a demonstrar com clareza a existência dos referidos requisitos.
Em quais casos a prisão preventiva pode ser aplicada?
Preenchidos seus requisitos fundamentais do artigo 312, os casos em que se pode decretar a prisão preventiva são previstos no artigo 313 do Código de Processo Penal. São eles: (i) crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos; (ii) se o acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; (iii) em se tratando de crime que envolve violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, de modo a garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (iv) havendo dúvida sobre a identidade civil do acusado ou quando não há elementos suficientes para que essa identidade seja esclarecida.
Diferentemente da prisão temporária, por exemplo, a prisão preventiva não possui um rol taxativo. No entanto, a lei traz situações objetivas em que são admitidas a decretação da prisão.
Quem pode solicitar a prisão preventiva?
A medida cautelar poderá ser solicitada pelo juiz, de ofício, pelo ministério público, pelo querelante da ação penal, pelo assistente da acusação ou pela autoridade policial. No entanto, somente o juiz de direito poderá decretá-la.
Se qualquer um desses atores processuais considerarem que estão presentes os requisitos da prisão preventiva, em qualquer fase da persecução penal, poderão requerer a imposição da medida.
Em qual momento a prisão preventiva pode ser solicitada?
A persecução penal possui dois momentos distintos. O primeiro momento é a fase do inquérito policial, ou seja, a fase investigativa que dá ensejo ao processo penal. Ao final do inquérito e após a elaboração do relatório final da polícia civil e encaminhamento ao Ministério Público é que poderá ser iniciado o segundo momento da persecução, a ação penal.
Ao receber o caso, o Ministério Público poderá: (i) devolver os autos à polícia civil para que cumpra novas diligências, pelo fato de ponderar que faltam informações suficientes para o prosseguimento; (ii) poderá arquivar o caso, por considerar que não há crime ou, (iii) poderá oferecer denúncia contra o acusado do delito. Logo, é a partir do oferecimento da denúncia que haverá o início da ação penal.
Dito isso, a prisão preventiva pode ser solicitada e decretada em ambas as fases da persecução. Isso significa que desde o inquérito policial até a sentença penal irrecorrível, pode o juiz, o Ministério Público, o querelante ou o assistente da acusação requerer sua decretação.
A prisão poderá ocorrer a qualquer tempo, desde que preenchidos seus requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, visando a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
A qualquer tempo, também pode o juiz revogar a medida, caso considere que no decorrer do processo, os requisitos de sua imposição não justificam mais a sua manutenção. Ou seja, após algum tempo de prisão, pode o juiz considerar, por exemplo, que o acusado não gera mais nenhum perigo social e por isso já possui condições de ser colocado em liberdade.
Conforme o artigo 316 do Código de Processo Penal, o juiz pode revogar a prisão, mas também, se sobrevierem razões futuras, decretá-la novamente.
Existe prazo para o cumprimento da prisão preventiva?
Não há um prazo determinado para o cumprimento da prisão preventiva. Considera-se que a medida será cumprida enquanto justificar sua necessidade. Apesar disso, com o advento da Lei 13.964/2019, o conhecido “Pacote Anticrime”, houve a inclusão do parágrafo único no artigo 316 do Código de Processo Penal, que prevê a necessidade de revisão da manutenção da medida implementada, quando transcorrido o prazo de 90 dias.
Dessa forma, o juiz, após 90 dias da decretação da prisão preventiva, deverá, de ofício, justificar a manutenção da medida, sob pena de torná-la ilegal.
Essa alteração legislativa serve, justamente, para que não haja o prolongamento demasiado e imotivado de uma prisão, sem que o acusado tenha sido considerado culpado.
Não significa, porém, que passados os 90 dias o acusado automaticamente deverá ser colocado em liberdade. A lei apenas garante que ele não será “esquecido” no sistema prisional, de modo que, se considerada a necessidade da manutenção de sua prisão, esta será justificada de maneira adequada, em caso de ter ultrapassado os 90 dias.
Neste ponto, destaca-se que a lei prevê ação de ofício pelo juiz, mas sabe-se que pela quantidade enorme de presos no Brasil, é importante contar com a atuação eficaz de um advogado atento aos prazos.
Uma vez que ultrapassados os 90 dias sem revisão do juiz, pode haver a impetração de habeas corpus, visando o direito de liberdade do acusado.
Qual a diferença entre prisão preventiva e prisão temporária?
Como exposto anteriormente, a prisão preventiva é prevista pelo Código de Processo Penal e não há prazo pré determinado para que seja cumprida. No entanto, a prisão temporária, regulamentada pela Lei 7.960/89, possui um prazo certo, em se tratando de crimes comuns, de 5 dias, prorrogáveis por mais 5 por uma única vez. Em casos de crimes hediondos ou equiparados, o prazo poderá chegar em até 30 dias de prisão, sendo estes prorrogáveis por mais 30 dias.
Outra diferença entre as duas medidas é que a prisão temporária é cabível somente nos crimes estabelecidos pelo seu rol taxativo, previsto no artigo 1º da Lei 7.960/89. A título de exemplos de crimes que cabem a prisão temporária, têm-se o homicídio doloso, o sequestro, o estupro e o tráfico de drogas.
Além disso, a prisão temporária poderá ser cumprida somente na fase de investigação policial, ou seja, antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, sendo a preventiva passível de decretação a qualquer tempo.
É comum que a prisão temporária anteceda o pedido da prisão preventiva, pois permite que sejam adquiridos fundamentos para a conversão de uma prisão com período limitado para outra cujo período é maior.
A prisão temporária é utilizada como uma ferramenta processual para que a polícia ou o Ministério Público consiga recolher provas do crime, além de possibilitar a garantia do integral cumprimento de diligências policiais e a eficácia da investigação.
Ao passo que a prisão temporária pode ser requerida apenas pelo Ministério Público e autoridade policial, a preventiva pode ser requerida também pelo querelante da ação e pelo assistente da acusação ou até mesmo de ofício pelo juiz.